Igarapé Bate Estaca agoniza sem socorro


Rafael Abreu


foto: J. Gomes

















Um dos maiores igarapés urbanos de Porto Velho ainda resiste à morte. Em meio ao crescimento desenfreado da capital de Rondônia o igarapé Bate Estacas sofre degradação desde a nascente até desaguar no rio Madeira. Esgoto, aterramento, retirada da mata ciliar, desvio do curso d’água, assoreamento são algumas das deteriorações que estão impactando sobre os 113 quilômetros quadrados de área da bacia hidrográfica do igarapé. A reportagem do Diário da Amazônia fez uma expedição da nascente à foz do igarapé no rio Madeira.





Em uma das principais nascentes do igarapé, no bairro Areia Branca, entre árvores, plantas e pedras a água mina cristalina. Ela desce tranquilamente o barranco tomando todo o espaço que é seu por propriedade e forma as águas do Bate Estacas. Na chácara Água Viva, onde está a nascente, o caseiro, Raimundo de Paula, 30 anos, usa a água da bica para beber, tomar banho e lavar roupa. “Não trocaria nada desse mundo por este paraíso de sombra, tranquilidade, comida e água fresca”, afirmou.





Poucos metros depois, dentro da própria chácara, as águas límpidas e puras são alteradas por concretos e canos. O curso d’água foi alterado, o espaço que era seu por propriedade, invadido, canalizado, aterrado para virar uma piscina ‘particular’ de águas escuras. A mata que caminhava ao seu longo e fazia a proteção do riacho não existe mais e um vazio de terra completa o cenário de luto.





Mais adiante, ainda no Areia Branca, um muro de mais de dois metros impede a passagem de quem segue o riacho. Pássaros e animais que habitam pelas redondezas são obrigados a procurar outro canto para matar a sede e se alimentar. Bem ao lado um balneário conhecido como Araras com uma piscina de concreto toma conta do curso d’água. Para entrar e ter direito de se banhar no igarapé é preciso pagar R$ 5.





Esgoto





Já entrando no bairro Conceição, o Bate Estacas se transforma em esgoto. Andreia Almeida mora há 12 anos no entorno da bacia. Segundo ela, desde que mora no lugar nunca viu nenhum trabalho de recuperação no igarapé. “No máximo que fazem é roçar o mato, mas nada para acabar com a fedentina insuportável”. Ela disse ainda que já pegou duas vezes malária no lugar. “A família quase toda pegou, só não dois filhos meus”, relata. Edmundo Barroso, 75 anos, mora na beira do Bate Estacas há 25 anos e lembra da época das castanheiras. “Quando cheguei aqui tinha um monte de árvores, o igarapé era pequeno, mas a água era limpa e forte”, disse.





Residenciais





No bairro vizinho, o Novo Horizonte, os moradores tradicionais reclamam que os residenciais da localidade acabaram com o igarapé. A situação levou 16 pessoas a entrarem com uma denúncia no ano passado no Ministério Público contra a retirada da Área de Preservação Permanente (APP), aterramento da nascente e derrubada da mata ciliar entre outras ações danosas feitas pela construtora de um residencial (Nova Era I).





Entretanto, não surtiu efeito, até o último fim de semana os problemas continuavam os mesmos. Esgoto, lixo, mau cheiro completam a imagem decadente. Apenas alguns macacos, patos e jacarés relutam pelo pouco espaço florestado. Um frigorífico localizado na rua João Paulo I, mas conhecida como Estrada da Coca-Cola, segundo os moradores também estaria jogando restos de animais no afluente do rio Madeira e contaminando a água. Ainda próximo aos residenciais do Novo Horizonte, a agonia do igarapé é quase uma sentença de morte. O Bate Estaca canalizado, no cruzamento da rua João Paulo I e avenida Campo Sales, virou esgoto. E quando mais ele segue entre casas, vai apodrecendo as águas e perdendo totalmente as características vista na nascente.




Fôlego




Na sítio da família Johnson, ao longo da Estrada de Ferro, o igarapé ganha fôlego e apresenta o que não se vê por mais de dois quilômetros: a mata ciliar, Área de Preservação Permanente e peixes. A história da microbacia é ligada à vida dos Jonhsons, segundo Bubu Jonhson. Mas ele fica entristecido ao falar do Bate Estaca. “Há uns 20 anos o igarapé era bem maior, as águas eram limpas, dava muito peixe”, contou. O medo de Bubu é que o igarapé morra. “Acredito que no ritmo que vai indo, o igarapé não vai mais existir”, relata.







Ainda no sítio é possível ver cutias, onça preta e pássaros que se refugiam no lugar. “Depois que começaram as obras nas usinas apareceram mais animais aqui no sítio”. O sítio pertence ao pai de Bubu desde 1957. Após a morte do patriarca o terreno foi divido entre os 16 irmãos.












Comunidade quer o igarapé vivo











A garantia de água potável para os próximos anos tem sido uma das grandes preocupações ambientais. A falta do recurso compromete diretamente a sobrevivência da vida no planeta. O igarapé Bate Estaca fornece água para boa parte das casas de Porto Velho, mas a contaminação e deterioração em vários trechos da micro bacia deixa um alerta que o recurso hídrico pode estar se desgastando e chegando ao fim. Os moradores do entorno do igarapé já temem a morte do Bate Estaca.






Na comunidade Bate Estaca, próximo ao ponto de captação de água da Caerd (Companhia de Água de Rondônia), a situação é de tristeza com a diminuição da água, poluição do rio e outras degradações. A presença de visitantes ajuda a poluir as águas do igarapé. Muitos jogam latas de cervejas, garrafas pet e sacolas dentro do Bate Estaca.






O medo de o igarapé morrer fez com que a comunidade procurasse a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Ambiental (Sedam) para tentar preservar o que resta de Bate Estacas. A iniciativa uniu 16 moradores da vila de Santo Antônio e da margem do igarapé. Eles vão trabalhar como Agentes Ambientais Voluntários (AAV) para fiscalizar os crimes ambientais e educar sobre o uso racional dos recursos naturais e passaram por uma capacitação.






O presidente do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) do Santo Antônio, Aparecido Limeira da Silva, disse que as comunidades do Bate Estaca resolveram participar da capacitação por se sentirem ameaçadas com a urbanização desgovernada. “O avanço de prédios na nossa região tem prejudicado o Bate Estaca, com isso dificulta as famílias que vivem no entorno a continuarem a manter a tradição dos moradores que estão no lugar há mais de 40 anos”, conta.






Ele acredita que como agente ambiental poderá conservar o igarapé para o mesmo não sumir. “Com o aumento da população devido às construções das usinas [hidrelétricas] do Madeira, o Bate Estaca está cada vez mais fragilizado, pessoas vêm pescar aqui com tarrafas, jogam lixo na água. Temos ainda o problema do aterramento e assoreamento isso tudo está deixando os moradores assustados, pois há a possibilidade de ser o fim do igarapé”, argumentou.







A reportagem do Diário da Amazônia entrou em contato várias vezes com a Caerd que capta as águas do Bate Estacas, mas até o fechamento da matéria a companhia não informou nenhuma ação no igarapé.









Lixo e esgoto contaminam o curso d`água





Um dos motivos para a deteriorização do Bate Estacas é a falta de sistemas eficientes de coleta de lixo e de tratamento do esgoto doméstico, que são lançados diretamente na água. A poluição cria também condições favoráveis ao aumento acelerado de doenças como amebíase, cólera, dengue, esquistossomose, febre amarela, febre tifóide, hepatite, leptospirose, malária e outras.





A cada curva feita pelo igarapé dá para perceber que a lei [9.433/1997] de Política Nacional de Recursos Hídricos fundamentada para preservar um bem de domínio público (O Bate Estacas e outros cursos d’águas) não é respeitada e o objetivo ‘assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos’ torna-se sem valor e de futuro incerto.





Segundo o artigo 225 da Constituição Federal: todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a água é um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-la e preservá-la para as presentes e futuras gerações.






Mas conforme a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Sema), as ações de fiscalização no igarapé são esporádicas porque o número de fiscais é pequeno para fazer um trabalho contínuo.






A Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam) também realiza fiscalizações esporadicamente, mas o intuito é de apenas orientar os moradores. Segundo o coordenador de fiscalização do órgão, José Carlos Coutinho, a solução será a ajuda do agente ambiental voluntário, que irá fiscalizar o igarapé.






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